Editora Fósforo, 2023

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“[Erasmus] Darwin observa que somos menos ofuscados pela luz ao acordar se tivermos sonhado com objetos visíveis”, registrou o poeta alemão Novalis num de seus livros de aforismos. Algum tempo depois de ter lido essa frase, e a anotado em meu caderno, comecei a leitura deste livro de Leda Cartum. Talvez pela proximidade temporal, talvez por saber que Cartum fez um podcast e escreveu um livro sobre as viagens do neto de Erasmus, Charles Darwin, fiquei com essa ideia na cabeça enquanto lia Formas feitas no escuro. 
Já nas primeiras páginas, me perguntei se poderíamos considerar estes textos breves como relatos de sonhos. Sonhos não seriam formas feitas na escuridão do sono? Há uma atmosfera onírica: um homem que subia montanhas, mas nunca chegava a seus cumes nevados. Um homem que mudava de cor conforme a época do ano. Os textos concisos lembram também fábulas ou narrativas muito antigas, que alguém ouviu num mercado distante ou que um viajante trouxe pra casa depois de suas andanças. Essas características me remeteram a “O narrador” de Walter Benjamin. Nos anos 1930, quando foi escrito, narradores já eram raros, porque pressupunham um tipo de atenção e escuta que não existiam mais, foram desaparecendo com o fim de atividades manuais como tecer, fiar, trabalhar o ferro e a madeira. Atividades de um outro tempo, mas que aparecem aqui. 
Quem ouvia o narrador se esquecia de si enquanto trabalhava, e por isso prestava-lhe uma atenção quase total. Além disso, como havia uma economia narrativa, o ouvinte preenchia as lacunas com a imaginação. No meu caso, li vários destes textos como metáforas sobre o ofício de escrever. Perguntei-me se não poderíamos considerá--los, afinal, pequenos poemas em prosa. Pensei em Baudelaire, que buscava outra maneira de escrever, deixando de lado a fôrma dos versos. Mas talvez essa questão do gênero (é poesia? É prosa?) nem nos interesse. Importa aqui o trabalho da imaginação, o trânsito do escuro para o claro, e vice-versa. Em nossa ajuda, vem a última epígrafe, cujos ecos também encontrei nestas páginas: “No momento em que entraste neste mundo de formas/ Uma escada foi colocada para ti”.
Angélica Freitas
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